segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Leitor

Tem sido uma verdadeira maratona cinematográfica nestes últimos dois meses. Durante os anos em que estive na faculdade e a trabalhar em simultâneo estive quase 4 anos sem ir ao cinema. Agora pude finalmente voltar ao vício e tirar a barriga de misérias! Desta vez fui ver mais um filme candidato ao Oscar. E que filme! Saí do cinema cheia. Cheia de emoções fortes, cheia de imagens belas, cheia de pensamentos contraditórios. Não é só mais um filme sobre o Holocausto. Não que eu ache que esse tema alguma vez possa ficar esgotado, quando ainda hoje muita gente continua a negá-lo. Mas é uma visão um pouco diferente das que tenho visto no cinema porque aborda o pós-guerra e não a guerra em si. A acção decorre entre 1958 e 1995. Quando tudo começa nem nos lembramos da 2ª Guerra Mundial, estamos em 1958 e a vida decorre com normalidade na Alemanha. Normalidade aparente, claro. A guerra acabou, mas não acabaram as suas marcas e principalmente não desapareceram os que a perpetraram. Hitler morreu, e os outros? E todos os outros que "trabalhavam" nas SS? E toda uma população que aderiu à guerra, a Hitler, à sua doutrina? Eles continuam lá. Mas em 58, ainda não se remexia o passado. Só mais tarde o povo alemão começa a pôr o dedo na ferida e a fazer a catarse de tudo o que aconteceu. Catarse, que aliás, na minha opinião, foi muito bem feita; ninguém pode acusar os alemães de terem tentado varrer o Holocausto para debaixo do tapete.
Mas em 58 uma antiga funcionária das SS, Hanna, podia ainda ter uma vida relativamente normal e viver uma história de amor com um inexperiente, mas marcante menino de 15 anos, Michael. Ele lê para ela, sem nunca descobrir que ela lhe pede para ler alto porque ela própria não sabe ler. Um dia ela parte sem deixar rasto. Michael volta a encontrar Hanna quando já sopram ventos de mudança e existe na Alemanha uma grande vontade de fazer justiça. Michael está agora na faculdade a tirar o seu curso de direito. Um dia vai com o seu professor acompanhar o julgamento de 6 ex-funcionárias das SS e Hanna está entre elas.
Este filme levanta muitas questões interessantes, mas para mim a questão fundamental é esta: na cabeça de Hanna, ela estava apenas a trabalhar, estava apenas a cumprir a missão que lhe tinham dado. Até ao julgamento e à condenação, ela não tinha pensado no passado, nem questionado a sua participação no horror. Ou seja, era mesmo preciso falar até à exaustão sobre tudo aquilo, era mesmo preciso por o dedo na ferida para que toda uma nação constatasse o horror e conseguisse depois seguir em frente. Um filme verdadeiramente notável. Tanto Kate Winslet, como o jovem actor alemão David Kross estão magníficos nos seus desempenhos.
Para não variar chorei, mas desta vez não fui a única na sala.

12 comentários:

Inside me disse...

Como eu gosto das tuas sinteses cinematográficas!!

Deve ser mesmo muito interessante, retiro da tua descrição.

"... era mesmo preciso por o dedo na ferida para que toda uma nação constatasse o horror e conseguisse depois seguir em frente..."

... Também nós às vezes temos que por o dedo nas nossas feridas para depois podermos em paz seguir em frente...

... e vamos em frente...

Beijos

Anónimo disse...

Olha, este eu não posso perder, de maneira nenhuma. É o tipo de filme que considero mesmo imperdível.

Achas que tem alguma coisa a ver com Cultura, Linguagem e Comunicação? É para eu poder ir ver com os meus formandos... ahahah
Ter a ver até tem, mas não está nos conteúdos... mas ainda vou arranjar maneira de encontrar um elo de ligação. Quanto mais não seja, pela importância da leitura, o que já não é pouco...

ameixa seca disse...

Ai que me falta ver tanta coisa e eu se cinema nesta minha cidade manhosa. Não é justo!

Heloísa Sérvulo da Cunha disse...

Isabel,
Você descreve tão bem os filmes, que desperta a vontade vê-los.
Esse eu pretendo assistir.
Beijos

Claudia disse...

Isabel,

Adorei tua resenha do filme, me deixou com vontade de ver. Eu não tinha a menor idéia da história desse filme e fiquei curiosa agora.

Eu sempre pensei por que será que não se faz filmes sobre o pós-guerra na Alemanha, sobre o impacto da guerra no povo contra quem o mundo quase todo se uniu.

Ainda tenho as minhas dúvidas sobre os alemães colocarem os dedos nas feridas deles e terem resolvido a questão do jeito que deveriam, eu acho não. E eu concordo com você, ainda tem espaço para muito mais filmes de 'mea-culpa', mas muito mais mesmo.

O que os alemães fizeram na segunda guerra foi a coisa mais cruel e assassina do mundo ocidental até hoje e a coisa está vivinha. Em 400 anos de escravismo colonial em toda as Americas nunca se aprisionou tantos africanos como se aprisionou e matou judeus nos anos de guerra.

Muito filmes ainda precisam vir, sem dúvida, pois esses alemães são protagonista da história mais cruel que já se escreveu. Haja filme para purgar toda a culpa dessa gente....

Beijos,

Claudia

Isabel disse...

Inside, ainda bem que gostas. Eu tento passar aos outros as reacções que tenho aos filmes.
E é isso: para a frente é que é o caminho!

Mana, acho que ías gostar e os teus alunos também. Uma visita de estudo ao cinema mais próximo, seria uma boa lição de história.

Ameixa, tens que abrir tu aí um cinema. Podia ser um bom negócio. Cinema e restaurante ao lado. Que tal?

Heloísa, ainda bem que você gostou. Vá ver sim. Muita paz para você e uma mão amiga aqui também para o que for necessário.

Cláudia, nunca é demais falar sobre esse assunto, não é? Existe muita gente estúpida que continua a negar o Holocausto. Eu acho que os alemães remexeram bem na ferida conparando com outros povos. Por exemplo aqui em Portugal, na escola, o tema da Inquisição é abordado muito levemente e se não for abordado ainda melhor, e é um período bem terrível da nossa história. Nós só agora no ano passado fizemos um pequeno monumento na cidade de Lisboa em homenagem a todos os judeus mortos pela inquisição. Claro que são fenómenos diferentes e contextos históricos diferentes, mas eu acho que existiu um esforço por parte da Alemanha para não apagar o passado. Mas,mesmo assim eu acho que deve ser bem difícil ser alemão e carregar esse peso nas costas, daí nunca ser demais falar sobre o assunto. E há outra coisa os neo-nazis continuam a aumentar não só na Alemanha mas por toda a Europa o que é bem preocupante.

Bjs a todos

Bergamo disse...

Isabel,
Assisti ontem.
Um belo e inquieto ensaio sobre a culpa, não?
Precisamos pensar mais, ou por fim, parar de pensar e julgar.
Não encontro justificativas para os atos da Hanna, mas sou incapaz de afirmar o que é "certo" ou errado.
Abraços,
Bergamo

Abóbora Amarelinha disse...

Isabel, tu não inventes, não ponhas ideias na cabeça da ameixinha, elas andam derramadinhas para fazer um filme ou uma novela, e tu com ideias dessas... ai mê Deus!

estava quase a chegar ao fim da tua postagem, e a pensar, então mas ela não chorou!
Chorou xixinhora.
beijinhos

J. Maldonado disse...

Ultimamente também tenho andado com febre cinéfila... :))
Esse filme está na minha lista, pois a sua história fascina-me.
Tens que ir ver o Valquíria, pois também aborda a mesma temática. ;)

Isabel disse...

Bergamo, ela acabou por sentir a culpa no fim, não é? Um filme muito inquietante, também achei.

Aboborinha, nem seria eu se não chorasse, não é?

Maldonado, com tanto filme bom nos cinemas é impossível não aderir a essa febre cinéfila!

Bjs para todos.

Raquel disse...

Reparei que a foto do filme da versão em alemão... vc é tradutora alemão-português? Eu faço LLC em alemão, inglês e português, com fortes tendências para a tradução!

Nossa, tô louca pra ver esse filme e ainda não vi, acredita? Mas depois de ler sua síntese já fiquei louca pra vê-lo. beijos

Isabel disse...

Raquel, escolhi o cartaz em alemão porque achei o mais bonito de todos os que vi! E como o filme é sobre a Alemanha, até calhou bem. Sou licenciada em tradução, mas nas variantes inglês, francês, português.
Em alemão só sei dizer Ich liebe dich (nem sei se é assim que se escreve!) e foi um austríaco que em ensinou!!!! Belos tempos esses...
LOL