sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago

"O ser humano inventou Deus e depois escravizou-se a ele", frase brilhante de José Saramago. Frase que expressa a sua relação conflituosa com Deus e a religião: era ateu, mas não conseguia deixar de escrever sobre Deus. Entendo perfeitamente esse conflito.

Tenho uma relação conflituosa com a religião. Conflituosa e não resolvida. Questiono muitas coisas, tenho muitas dúvidas, mas uma coisa sei: o meu Deus não é o de qualquer das grandes religiões monoteístas. O meu Deus não é o Deus católico, nem o Deus muçulmano, nem o Deus judaico. O meu Deus é construído todos os dias. A cada dia vou acrescentando um adjectivo, uma frase, um conceito à minha definição de Deus.

O ser humano tem sido escravo desse Deus inventado ao longo dos séculos e, incrivelmente, continua a ser até aos dias de hoje.

Saramago decidiu sair de Portugal, quando a sua obra Evangelho Segundo Jesus Cristo foi criticada por gente que nunca a tinha lido, mas que correu a dizer que ofendia e feria a cultura religiosa dos portugueses. Foi impedido de concorrer a um prémio literário com a desculpa de que a obra "ofendia a moral católica dos portugueses".

Depois da celeuma levantada aquando da publicação de Caím, seu último livro, parece-me que vamos continuar escravizados por muito tempo.

José Saramago morreu hoje aos 87 anos de idade em Lanzarote.

8 comentários:

J. Maldonado disse...

Este post homenageia com objectividade o que Saramago foi na realidade: um livre pensador. Pois, o pensamento não deve estar preso a dogmas, devendo antes ser ilimitadamente livre...
Parabéns pelo post, tocou-me bastante.
RIP Saramago!

saltapocinhas disse...

eu também tenho uma relação algo conflituosa com a religião... a diferença entre mim e o saramago é que ele sabia escrever, e eu não...

Beth/Lilás disse...

Isabel,
Geralmente as pessoas criticam aquilo que não entendem, foi assim com Da Vinci e será por todos os tempos.
Minha relação com Deus e religiões é bem parecida com a dele, por isso o entendo.
bjs cariocas

pat disse...

Engraçado: o Evangelho me reaproximou de "Deus", porque me encantou, me instigou, me provocou.
Perguntei-me porque nunca havia percebido o absurdo e o horror da história do massacre dos inocentes ( que leva José à culpa - ter salvado apenas a Jesus).
Compreendi que era por essas e outras que nenhuma religião jamais me fisgou. E olha que tentei. O Evangelho segundo Jesus Cristo no entanto, me esclareceu tudo: não podia aceitar os dogmas porque são eles realmente absurdos.
Agradeço "aos céus" a oportunidade de ler Saramago.
Um abraço, te compreendo perfeitamente.

ameixa seca disse...

Há uma coisa que a maioria das pessoas não entendem: é que Deus é uma coisa e religião é outra. Nunca simpatizei com o Saramago mas lamento todas as mortes. Agora ele é que terá que ajustar contas com Deus he he

Dani disse...

Já fui ligeiramente religiosa, sem me ater aos dogmas, mas tinha fé.
Um dia, passou. Não sei explicar, é como quando deixamos de acreditar no Pai Natal - é irreversível.
Mas ainda considero-me espiritual, seja o que for que faz com que a vida pulse, é algo a que devemos nos conectar de vez em quando.
A natureza, para mim, é sempre o melhor âmbito de conexão com o "divino". Ela, e o amor que sentimos pelas pessoas e seres.
Beijos!

Claudia disse...

Querida,

Saramago é um orgulho dos portugueses, sem dúvida, essa gente que criticava é minoria, sem dúvida, uns Salazaristas sobreviventes de outros tempos, e um orgulho para os povos que falam a mesma língua que ele falou.

Sabe que me lembro como se fosse ontem do dia em que dei a minha avó materna, uma devoradora de livros e espírita cardecista, amiga de Chico Xavier, o evangelho segundo jesus cristo e ela ficou encantada ao mesmo tempo que provocada pelo livro e autor. Ela já tinha lido dele "A historia do cerco de lisboa" e "o memorial do convento" e eu dei o livro "evangelho" então recém lançado sem ter lido o livro ou qualquer coisa sobre ele, comprei por ser Saramago. Ela disse que preferia os anteriores, que era um livro muito polêmico, mais não disse. Como era moderna a minha avó... Morreu em 1997 com 87 anos, como Saramago...

Eu sou atéia, você sabe, e desacredito de tudo o que não vejo, ouço ou toco...

Bj,

C.

Merisi disse...

Saramago will remain unforgettable!