domingo, 19 de junho de 2011

O Navio




O Navio vem chegando ao cais
E com ele chega-me a saudade
Das terras quentes que percorri em sonhos,
Do mar morno em que tantas vezes me banhei

O Navio está cada vez mais próximo,
Mas a minha alma voa agora para longe,
Para destinos perdidos, que sinto como meus.
Terão sido meus um dia?

Viajo neles como em mim.
Só lá me encontro,
Só lá conheço o calor de ser eu.
Sei que estive lá um dia,
Sei que pisei aquele chão.

De novo voltarei a descer em ti
Terra de festa e de alma quente
Que canta o canto da vida.
Talvez, quem sabe, levada por um navio.

Escrevi este "poema" com a idade de 21 anos.  É engraçado voltar a ele e ver a menina de 21 anos que fui. Enquanto crescia e até aos vinte e poucos anos costumava dizer que não devia ter nascido na Europa, mas sim em África ou no Brasil. O fascínio que sentia por essas terras era enorme e isso está bem refletido no texto. Existia em mim uma forte certeza de que só lá conseguiria ser feliz e completa.
Nestas linhas estão presentes também aquelas características da minha personalidade que acabariam por me fazer mais mal do que bem, o sonho, a vontade de evasão, o "só estou bem onde não estou", que levaram a muitos e muito anos de insatisfação. O que eu queria na verdade era fugir de mim e não sabia.

Agora acho que o lugar onde se nasce não tem na verdade muita importância e que ser feliz e completo está mais dentro da nossa cabeça do que em tudo o resto que gira à nossa volta, sejam lugares, bens ou carreiras. O fascínio por estas terras não desapareceu, apenas se transformou numa simples vontade de visitar lugares maravilhosos. Agora não espero que nenhum lugar do mundo me mude, me traga felicidade ou a sensação de ser completa. Isso terei que ser eu a encontrar dentro de mim e em mais nenhum lugar do mundo.
E o melhor de tudo é que vejo, que 15 anos depois, finalmente estou a conseguir encontrar.

9 comentários:

pat disse...

Que lindo Isabel!
Como é lindo conhecer a alma de alguém! E que coisa estranha conhecer alguém que nunca se viu...
Cada vez mais acho tudo isto um mistério....
Um abraço
Pat

Lúcia Soares disse...

Isabel, sem dúvida um lindo poema.
E simbólico pra você.
Que bom que, então, descobriu que temos que nos encontrar em nós mesmos, não colocar em mãos de ninguém nossa felicidade.
Ainda és muito nova, tantos sonhos viverá, tantos navios verá chegar e partir, mas sempre com a certeza de que trazem ou levam de ti apenas o que deixares.
Beijo e boa semana.

Beth/Lilás disse...

Querida Isabel!
Tens alma de poeta desde então!
Talvez por isso esta inquietude em teu coração, mas se já consegues expressar, colocar pra fora estes sentimentos, é porque já estás curada, já te entendes melhor.
Pois eu acho sempre que meu lugar não é aqui, cada vez que viajo descubro mais e mais que não é aqui mesmo, mas na altura de minha vida, só posso aceitar e sonhar com uma outra vida bem longe de tudo isso.
beijos cariocas

J. Maldonado disse...

"Agora acho que o lugar onde se nasce não tem na verdade muita importância e que ser feliz e completo está mais dentro da nossa cabeça do que em tudo o resto que gira à nossa volta, sejam lugares, bens ou carreiras."

Temos algo em comum, pois também penso o mesmo, tanto que faço minhas as palavras de Pessoa: a minha pátria é a língua portuguesa.
Contudo, a citação que melhor me define, e provavelmente a ti também, é esta d' O Paciente Inglês: http://a-terceira-via.blogspot.com/2011/05/fragmentos-6.html

Heloísa Sérvulo da Cunha disse...

Isabel,
Lindas as fotos, e lindo o poema.
Embora com outros objetivos, que não o de encontrar o seu lugar, espero que você possa, um dia, vir passear por esses lados.
Beijo.

Cláudia Marques disse...

Concordo... e não concordo.
Também "sofro" dessa característica sonhadora e desejosa de evasão, de busca pelo tal lugar ou situação "ideal". Talvez por isso, não me custa acreditar que possa ser um lugar a trazer-nos satisfação e felicidade, acredito que por vezes seja necessário sair da nossa zona de conforto e buscar uma realidade que se coadune mais com a nossa maneira de ser. Mas isto digo eu, a inquieta, a insatisfeita, a angustiada... não sou um bom exemplo. :) Mas é claro que, sem estarmos em paz connosco próprios, nada feito, podemos ir até ao fim do mundo, que nunca nos sentiremos felizes.
Ainda bem que estás num bom caminho de auto-conhecimento e da busca da felicidade em ti própria.
Para mim este assunto é complicado. Desde que me conheço que sinto aquela "vontade de IR". E acho que sempre sentirei. Se isso é resultado da minha insatisfação, não sei, mas até posso admitir essa hipótese. :)
Tirei este poema de um blog, não sei a autoria, mas acho que é uma achega para o tema:

« Há momentos na vida em que somos pássaros.
Queremos voar, mas nossas asas são curtas
e não nos permitem chegar além do horizonte.
O que podemos está sempre aquém do que desejamos.

Há momentos na vida em que temos longas asas,
podemos alcançar extensos voos,
mas nossos limites são determinados pelo peso
das bagagens que a vida nos dá.

São malas como o bom senso, juízo e medo.
Há os que se livram desse peso,
e conseguem voar muito alto.
Alguns atingem destinos fantásticos,
outros conhecem o sabor do desastre.

Mas há momentos na vida em que
deixamos de voar.
É quando nos tornamos árvores,
quando nos percebemos enraizados à terra.

Não nos damos conta desta mudança
que nos tira as asas e nos empresta
galhos e ramos como árvore.


Podemos crescer para cima
- na busca do sol e da luz -
e para baixo à cata de alimentos e energia.
Os dois movimentos se completam,
um não é possível sem o outro.

Enquanto crescemos,
podemos servir de pouso para os pássaros,
mas quando deixamos de procurar a luz,
ou desistimos de cavar em busca de energia,
paramos de crescer.

Não há árvores assim.
As árvores perseguem seu destino
que é crescer e se alimentar,
assim como há pássaros que só buscam voar.

Saber o momento do voo
ou o instante de se enraizar
é a grande sabedoria humana.

Se você é pássaro voe em busca de seu sonho.
Se você se descobriu árvore
cresça o mais alto que puder
e deixe a terra cuidar de suas sementes.»


Eu sinto-me árvore, mas não quero deixar de voar. Acho que o meu caso é grave. :)

Fica bem.

Cláudia Marques disse...

Como aquele comentário ficou muito pequeno, voltei. Esqueci-me de dizer que AMEI as fotos. Amei mesmo!

Isabel disse...

Querida Pat,
essa ligação que se forma entre pessoas que não se conhecem pessoalmente faz pensar mesmo.
Um dia eu ainda vou aí e a gente se conhece cara a cara :)
Bjs

Lúcia,
linda essa última frase que você me escreveu. Vou guardar no coração.
Bjs

Beth,
na verdade aquilo que você escreveu é muito certo, eu já me entendo melhor e isso é muito bom :)
Que pena que você sente que o seu lugar não é aí. Nascemos todos no lugar errado, será?!! rsrs
Bjs

Isabel disse...

Maldonado,
essa frase do filme "O Paciente Inglês" é linda e identifico-me cada vez mais com ela.
Um abraço

Heloísa,
hei-de ir, hei-de ir! E vou passar por Santos para encontrar a blogueira mais encantadora que eu conheço :)
Bjs

Mana Cláudia,
isto é realmente muito complicado, porque está sempre muita coisa implicada, situação profissional, dinheiro, pessoas que nos prendem. É difíci partir e deixar tudo para trás, mas se um dia desejares IR eu apoio-te e depois vou lá visitar-te.
Adorei o poema.
Um beijo grande